Medidas neoliberais pautadas em privatizações e redução dos direitos no Chile, tomadas como exemplo pelo governo brasileiro, aumentaram desigualdade e se mostraram um fracasso
A desigualdade social, os cortes nos direitos, a assistência à saúde precária e as aposentadorias miseráveis estão na base das revoltas que têm acontecido na América Latina. O Equador, enquanto perdoou dívidas bilionárias de grandes empresas, precarizou as leis trabalhistas e pôs fim aos subsídios, aumentando o preço dos combustíveis, medidas que levaram à população às ruas. No Chile, o aumento da tarifa do metrô, já revogado, foi o estopim dos protestos que evidenciaram o cansaço do povo com um estado fraco na defesa da sociedade.
A herança política econômica neoliberal da ditadura de Augusto Pinochet impacta até hoje na condição de vida dos chilenos, que viram a desigualdade crescer radicalmente em seu país. Diferente do que aconteceu no Brasil, onde uma nova Constituição foi criada após o fim do regime militar, no Chile a Constituição de Pinochet não foi substituída por outra, mas recebeu apenas emendas.
Durante o regime militar, a ordem foi privatizar. Serviços básicos, como água e transporte deixaram de ser controlados pelo Estado. Até a Previdência foi privatizada. O Chile adotou, naquela época, o sistema de capitalização, que entrou em colapso recentemente. Nele, cada trabalhador faz a própria poupança, em uma conta individual, administrada por empresas privadas em vez de ir para um fundo coletivo. O ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, queria implantar esse mesmo modelo em nosso país. Embora o Congresso tenha barrado o regime de capitalização da reforma da Previdência, aprovada em outubro, Guedes deixou claro que ainda não desistiu desse propósito.
Essa política econômica que exigiu sacrifícios tão grandes do povo, agora mostra os reflexos na pobreza dos aposentados e na brutal concentração de renda. Com a privatização da Previdência, cerca de 80% dos aposentados chilenos ganham menos do que um salário mínimo e 44% estão abaixo da linha de pobreza. Para conseguir se sustentar, muitos precisam encontrar formas de complementar sua renda. A redução no valor das aposentadorias também aumentou as taxas de suicídio no país entre a população idosa. Segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre 1990 e 2011, o Chile esteve entre os 6 países, dos 36 da organização, que tiveram altas nas taxas de suicídio, registrando, no período, o segundo maior aumento do mundo.
A desigualdade só cresceu, como resultado do neoliberalismo excludente, que nos últimos 40 anos deixou de lado investimentos em setores fundamentais como educação e saúde, enfraqueceu o controle estatal e atacou benefícios sociais, priorizando os interesses do grande capital em detrimento do povo. Hoje, 1% da população mais rica concentra mais de 26% da riqueza gerada no país, segundo levantamento do relatório Panorama Social da América Latina. De um lado está a elite econômica, do outro, a maior parte da sociedade, que tem um custo de vida alto, mas vive à mercê de um sistema de pensões previdenciárias insustentável e de um sistema produtivo fraco, onde faltam oportunidades e bons salários. De acordo com dados do Ministério de Desenvolvimento Social do Chile sobre o custo de vida, na capital Santiago, por exemplo, o custo da habitação aumentou 150% nos últimos 10 anos, enquanto os salários só cresceram 25%, em média.
Um exemplo que mostra o quanto a agenda neoliberal, que nosso governo se dedica a implantar no Brasil, é perversa com a sociedade. O Chile mostra que esse tipo de modelo político econômico ao longo do tempo só impulsionou a desigualdade social, o aumento da pobreza e a redução de direitos.
Fica o alerta para os brasileiros
A destruição da Previdência no Chile e a desigualdade provocada pela agenda neoliberal são um alerta para os brasileiros. Em breve passarão a vigorar as novas regras aprovadas na reforma da Previdência brasileira e, embora a capitalização tenha sido retirada do texto da reforma, não saiu dos planos do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Lembrando que entre os argumentos para aprovar a reforma estavam o equilíbrio nas contas públicas, o combate aos privilégios e a equiparação das regras para todos, porém, setores da sociedade como os militares ficaram de fora das novas regras que farão a população trabalhar mais e se aposentar com menos. Além disso, o governo continua a manter muitos privilégios. A proposta de orçamento de 2019 do governo estimou a concessão de R$ 376 bilhões em incentivos fiscais a empresas somente este ano. Impostos sobre grandes fortunas também não existem no Brasil.
E tem mais por vir. Neste mês de novembro, o governo anunciou um duro pacote neoliberal que impõe ainda mais retiradas de direitos sociais e trabalhistas. As propostas de Emenda à Constituição (PECs) e projetos de lei preveem uma reforma administrativa, podem alterar o percentual de gastos com saúde e educação, reduzir salários de novos servidores públicos e dificultar as regras para a ascensão na carreira, diminuir jornadas e salários de funcionários de governos e prefeituras e restringir a estabilidade de servidores públicos.
As reformas e medidas de austeridade que têm sido implementadas só atacam direitos e os resultados da predecessora, a reforma trabalhista, que entrou em vigor em 2017, apontam para um cenário nada otimista. Os empregos prometidos não foram gerados e o Brasil vive o auge da informalidade. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), publicada em outubro deste ano, com dados de 2018, mostra que praticamente metade dos brasileiros vivia, em média, com o equivalente a R$ 413 por mês. Segundo dados do IBGE, entre julho e setembro deste ano, a informalidade bateu o recorde da série iniciada em 2012. O país atingiu o ápice de 38,8 milhões de trabalhadores informais, uma taxa de informalidade de 41,4%.
Ainda estão na mira as empresas públicas, indutoras de desenvolvimento econômico e social no país. A cada novo passo, o governo vai na contramão do que o Brasil precisa. Fortalece o grande capital e enfraquece o povo.